segunda-feira, 26 de abril de 2010

VOVÓ, por derradeiro

Ontem à noite minha avó morreu. Aconteceu da forma que ela sempre desejou. Sem sofrimento, sem ficar presa a uma cama, lúcida (pelo menos até o dia anterior), simplesmente o coração dela parou. Chegou a sua hora.
Assim que soubemos da notícia fomos todos para o hospital. Havia uma necessidade de calor familiar, aquele que conforta e conforma. Juntos, sempre fica mais fácil enfrentar momentos desconcertantes.

Alguns filhos dela estavam lá, outros haviam se dopado para dormir e não poderiam seguir para o cemitério e velório ainda de noite. Cada um ao seu tempo se despediu de vovó ainda lúcida, cada um chegaria, cedo ou tarde, para o último momento.
Deixe agora que eu fale um tiquinho de vovó. Minha vó forte, gente, medrosa, irônica, alegre, presente, minha avó de tiradas irônicas e cortantes, que já não assustavam mais, mas sim divertiam os encontros familiares, pois se tornaram uma marca registrada sua, a ser contada como excentricidade.
Ontem à noite toda a raiva que senti de mainha passou, sou grata por isso.
Ontem a noite mesmo, durante o velório, após o choro, a tristeza e a consternação, resgatou-se em minha família uma característica que sempre amei. A capacidade de encontrar motivos para celebrar a vida, mesmo que seja a vida de quem está partindo.
Começamos a conversar sobre particularidades de vovó, sim, as que ser tornaram sua marca registrada.
Vovó no caixão ficou com um rosto bonito, sereno, ficou exatamente com queria, bonita e perfumada. E daí vão umas de suas histórias:

Desde adolescente que eu me lembro de vovó ter me mostrado, dobradinho num plástico, um bonito vestido azul com cianinhas brancas, que ela guardava para ser enterrada no dia em que morresse, pois dizia que não queria dar trabalho a ninguém. E a gente sempre comentava: vovó, guardar um vestido já de agora, pra quê? E vai que chegava uma festa e vinha vovó com o bendito vestido da hora final...!

Pronto, tava feita a zona! E aquele vestido não serviria mais, ela teria que fazer um vestido novo. De lá para cá, nas conversas de ontem, foram costurados, guardados e usados bem uns quinze!
E vovó sempre disse:
- Olhe, quando eu morrer, nada de flores! vocês sabem que tenho pavor de baratas e flores chamam baratas.
Assim nós fizemos, nada de flores, usamos tule, e você ficou linda.

- E me escutem, nada de velório demorado, cheio de velas e gente chorando um tempão! Quero que: morreu, enterrou!
Quase, vovó, você morreu ontem de noite e arengamos para seu sepultamento ser o primeiro da manhã.
Bom, nunca ouvimos falar em enterro de noite, então, ter sido o primeiro da manhã já foi além de razoável, a senhora há de concordar.

- Sim, e nada de caixão aberto, nem com janelinha! Não quero ninguém olhando para minha cara, sei lá se eu vou estar apresentável!
Hum, hem... isso aí foi difícil, vovó. O caixão não tinha janelinha, conforme você mandou. Mas quanto a não olhá-la, isso nós não cumprimos.
Primeiro porque você tem muita gente que a amou. Segundo porque você estava muito, muito apresentável.
Essa era, na verdade ainda é, a minha avó. Sua morte está muito recente para conseguir colocá-la apenas nas lembranças.
VOVÓ, MULHER, com todas as letras maiúsculas. Presente em nossas vidas, amada, cheia de vida, forte, as vezes insegura, gente, as vezes ele nos fazia raiva, sim, mas sempre, sempre, fez toda a diferença em nossas lembranças de vida.

Jamais vou querer transformá-la em santa. A sua graça está exatamente na pessoa que você é, exatamente nas suas qualidades, defeitos e particularidades.









Nenhum comentário:

Postar um comentário